Pressão Gravidade
Nas deslocações para o meu trabalho, o lago formado pela barragem de Montargil domina a paisagem. Neste percurso o meu olhar acompanha várias explorações agrícolas de diferentes escalas de tamanho com múltiplos sistemas de rega, todo um aparato com um enorme impacto na paisagem.
Foi na observação diária deste pedaço de território e refletindo sobre a problemática das alterações climáticas e da sustentabilidade dos nossos recursos naturais, que resolvi registar esta realidade com a câmera fotográfica entre Ponte de Sôr e Couço.
O título deste trabalho tem origem nos sistemas de rega que podem funcionar por gravidade ou por pressão. Faz também um paralelismo com a “pressão” que a humanidade exerce sobre o nosso ecossistema e a gravidade/seriedade da situação em que nos encontramos atualmente. “Pressão Gravidade” é assim um trabalho, onde procuro fazer uma reflexão sobre práticas de rega, paisagem e sustentabilidade.
Espero que estas imagens alem de um registo documental, sirvam também como incentivo à reflexão sobre a atual situação ambiental e da necessidade de tornar as nossas práticas mais sustentáveis.
Montargil, Outubro 2021
José Artur Macedo
Água, Agricultura e Sociedade
O clima mediterrânico que cobre as regiões do sul de Portugal caracteriza-se pela concentração da pluviosidade nas estações frias com prolongados estios nos períodos de maior calor. Ficam assim desencontrados a humidade e o calor, dois fatores essenciais para o crescimento das plantas. Desde, pelo menos, o século XVII que se considera que a escassez de água constitui um motivo de subdesenvolvimento da agricultura no Alentejo. No entanto, somente em 1884 foi definido um plano público para a construção de grandes obras de hidráulica agrícola na região, onde já se encontra previsto o Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Sorraia. Foi também frequentemente defendido ao longo dos séculos que o previsível aumento da produtividade agrícola serviria para aumentar a densidade populacional de uma região pouco povoada através da divisão da propriedade agrícola. Num exercício de engenharia social, criar-se-ia uma classe média de proprietários a partir de jornaleiros e outros trabalhadores agrícolas indiferenciados, muitos deles vindos do norte litoral estancando-se assim a emigração histórica dos minhotos para as Américas.
Todas estas ideias, todavia, só foram postas em prática a partir de meados do século XX com a construção de várias barragens e canais de regadio, bem como com a constituição da Junta de Colonização Interna. Se esta organização apenas criou uma colónia ao sul do Tejo, ficando os projetos de colonização por se concretizarem, já as barragens e os canais de rega foram uma realidade. Tal como nas demais, a barragem de Montargil, finalizada em 1958, produziu alterações profundas em quase todos os aspetos possíveis. A paisagem passou a contar com um lago artificial com cerca de 20 km de extensão, enquanto nos campos as culturas de regadio foram-se impondo – arroz, milho, tomate e, mais recentemente, olival e vinha, entre outras. Do ponto de vista económico esta e outras obras semelhantes levaram a que o Alentejo se tenha tornado a principal região agrícola nacional, ao mesmo tempo que as tradicionais culturas de sequeiro, como o trigo, tenham sido substituídas. No reverso da medalha, surgem alertas de uma sobre-exploração de solos e da própria água, podendo colocar em risco a longo prazo não só o setor agrícola, mas também do próprio ecossistema regional.
Carlos Manuel Faísca
Professor e Investigador da Universidade de Coimbra